Um referendo que poderia fazer a diferença

Espero que este debate possa renascer a partir de nós, do que dizemos em casa, no café, na escola, no trabalho e nas assembleias locais. Que um dia possamos falar de um país onde a unidade não signifique uniformidade, mas sim qualidade, diversidade e garantia de serviços públicos que nos deem vontade de voltar e, sobretudo, de ficar.

Vinte e sete anos se passaram desde a Expo 98 e da inauguração da ponte Vasco da Gama. Lembro-me bem de toda a azáfama mediática em torno destes eventos, que prometiam ligar o país de norte a sul e aproximar-nos do resto da Europa. Foi também nesse ano que o país tomou uma decisão pesada: recusou, em referendo, uma ideia que poderia ter mudado o rumo da nossa história e que continua arredada do debate público por um regime cada vez mais distante das suas regiões: a regionalização.
Quase trinta anos podem parecer pouco tempo para alguns, mas, para uma democracia tão jovem como a nossa, já chegam para perceber o impacto desta escolha. Na minha vida, isso sente-se na frustração de tentar descobrir como dar a volta a um sistema em que a maioria já não acredita, salvo aqueles que dele fazem parte e dele dependem. Falar de 1998, da Expo e do referendo, é para mim falar de centralismo contra regionalização: a Expo revitalizou Lisboa e mostrou ao mundo um país modernizado, mas reforçou também a ideia de um poder concentrado numa capital que continua a comportar-se como centro de um velho império.
Nunca será tarde para voltarmos a equacionar esta reforma, prevista na Constituição de 1976, como alternativa para as nossas vidas e para as gerações que aí vêm. Precisamos de olhar o país sem os entraves de um sistema que se paralisa nos sectores mais importantes, em sucessivos atrasos e adiamentos, seja por mudanças constantes de responsáveis, seja por máquinas administrativas cada vez mais capturadas por interesses corporativos. Muitas vezes, esses interesses servem sobretudo os grandes grupos económicos, para quem as condições de trabalho não são prioridade, sacrificando a dignidade de quem trabalha em nome do rendimento de quem manda.
Cabe também a cada um de nós voltar a falar de regionalização e perguntar que outros modelos, pelo mundo fora, conseguem funcionar melhor, mesmo com problemas, mas dando respostas mais sólidas e em tempo útil aos desafios da sociedade. Os argumentos que sustentaram o “não” em 1998 não impediram que os problemas se agravassem; pelo contrário, sucessivas crises podem até ter sido mais duras por falta de verdadeira autonomia administrativa das regiões. Ao contrário do que se prometeu, o centralismo não evitou o abandono nem a desigualdade: limitou-se a adiá-los e a empurrá-los para longe da vista.
No Alto Minho conhecemos de cor as potencialidades da nossa região, em tantas áreas diferentes. Não consigo deixar de imaginar – e convido-vos a fazer o mesmo exercício – como seria se a região e a sua gente tivessem poder real para votar, gerir e decidir sobre políticas pensadas a partir da proximidade e do quotidiano de quem aqui vive, em vez de depender de decisões tomadas por quem vive e trabalha em Lisboa, longe desta realidade. Talvez assim o país deixasse de ser um mapa inclinado, onde tudo escorre para o mesmo sítio.
Espero que este debate possa renascer a partir de nós, do que dizemos em casa, no café, na escola, no trabalho e nas assembleias locais. Que um dia possamos falar de um país onde a unidade não signifique uniformidade, mas sim qualidade, diversidade e garantia de serviços públicos que nos deem vontade de voltar e, sobretudo, de ficar.